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O Congo da UERJ, e a decisão do STF sobre o regime de cotas

Publicado por blogcidadedorio em 27/04/12 | Site

Ontem o STF – Supremo Tribunal Federal jugou a constitucionalidade da reserva de vagas para negros e pardos nas universidades. Tema que na sociedade provoca debates calorosos entre os a favor, que justificam ser importante dar acesso aos cotistas como forma de remediar as desvantagens feitas por preconceitos do passado.E os contra, que justificam que não podem haver essa exclusividade para grupos que formam uma sociedade.

Em meio a debates sociais e políticos, um bem humorado grupo de jovens estudantes e esportistas da UERJ – Universidade Estadual do Rio de Janeiro, proporcionou algo inovador, visionário, que ontem foi citado pelo Ministro Luiz Fux no seu embasamento sobre o mérito das “Cotas Raciais”.

O Ministro do STF citou a Torcida República Democrática do Congo, criada por estes jovens cariocas, como uma relevante ação contra o preconceito. 

Segundo Juan Guilherme Souza, um dos idealizadores da Congo, ao se denominarem assim, buscavam combater um fato que existia entre torcidas, o preconceito.

“Quando criamos a torcida Republique du Congo tinhamos como objetivo combater o preconceitos demonstrado por algumas torcidas. Fizemos isso nos utilizando da irreverencia e do bom humor, que sempre foi a marca da UERJ nos Jogos Jurídicos. Naquele momento a idéia era combater o preconceito jogando o racismo deles na cara deles próprios e afirmando que sim, tinhamos estudantes negros e nos orgulhávamos disso e que se essa era nossa diferença também era nossa força! Obviamente, não tinhamos a consciência do tamanho que isso tomaria, pois começamos com 15/20 amigos, mas graças a Deus deu certo! Quanto as outras faculdades, aquelas que cantavam o preconceito, estas não sabiam como agir e aos poucos perceberam e se envergonharam do que gritavam, restou, portanto, acabar com as músicas racistas que hoje já quasem não existem”.

João Marcelo Sant´Anna, presidente da Atlética da UERJ (“Associação Atlética Acadêmica Ricardo Lira”) a época, nos relata como surgiu o fenômeno da Congo.

“Foi no segundo semestre de 2005 que a carne foi cortada. Assistimos, perplexos, estudantes de uma das mais tradicionais faculdades de direito do país, “gozarem” da cara dos estudantes da UERJ, pois estes eram negros e/ou pobres…Naquela época, é verdade, a delegação da UERJ nos Jogos Jurídicos ainda era, na sua maioria, composta por brancos de classe média ou média alta. Os negros eram exceção inclusive na única universidade de cotas…Meus amigos eram brancos, pardos e negros. Uma reação covarde, seria termos nos isolados dos negros. “Não somos negros, não somos do Congo. Somos moradores da Zona Sul, descendentes da mais pura raça ariana”. Mas optamos por fazer o contrário. Nos unir e nos reconhecer, uns nos outros. Não foi em defesa de um ou de outro, ou de uma parte dos alunos que meus amigos revidaram. Foi em defesa de todos. Em defesa da razoabilidade, da racionalidade, da conscientização. Não víamos problemas em sermos negros, pobres e/ou cotistas (termo usado pejorativamente). Não víamos problemas em sermos identificados assim. Ganhávamos assim e comemorávamos assim… Foi então que, em 2006, invertemos a canção. Se cantavam para nos ofender, cantávamos para nos exaltar: “O, o, o, o, o, o a UERJ é o Congo”.”

Quem também nos deu um amplo depoimento sobre essa história foi Patrice Lumumba, que integrou a Torcida Congo da UERJ.

“Após a implementação da política afirmativa das cotas, a UERJ passou a ser – e ainda é – uma das poucas faculdades com negros em sua delegação que viajava para a disputa de competições esportivas, notadamente os Jogos Jurídicos. Na cabeça dos alunos de nossa faculdade, este era um fato absolutamente normal, pois, contrariando as previsões catastróficas, a implementação da política afirmativa das cotas não acabou por gerar um ambiente dividido e belicoso em nossa faculdade. Mas, ao chegarmos nas competições, mais precisamente nos Jogos Jurídicos Estaduais de 2006, vimos que esta situação gerava desconforto nas delegações das demais faculdades participantes, que passaram a entoar cânticos preconceituosos contra os times da UERJ, principalmente aquele que dizia que “a UERJ é o Congo”, obviamente em razão da presença de negros na delegação desta.  Entretanto, a UERJ sempre foi conhecida por produzir os juristas mais competentes e com algo a mais: bom humor. Assim, diante da clara e inesperada manifestação de preconceito, alguns alunos da UERJ resolveram adotar o grito de “a UERJ é o Congo”, mostrando a todos que, o ambiente multicultural e multiracial da faculdade não era motivo de vergonha, mas de orgulho. A postura ainda mais inesperada dos alunos da UERJ desconcertou os seus rivais, que, vendo o orgulho e a força com que os próprios alunos bradavam que “a UERJ é o Congo”, não sabiam o que fazer ou onde esconder suas preconceituosas – e envergonhadas – cabeças.  Ou seja, nosso grito de alegria calou as vozes que, mesmo diante de nossos êxitos desportivos, insistiam em hostilizar nossos atletas em manifestações imbuídas de um espírito na maioria das vezes pouco criativo, quando não racista. Para calar os gritos nefastos, o Congo gritou a razão”.

Assistam o vídeo com as palavras do Ministro Fux sobre a Torcida República Democrática do Congo – UERJ.